O velho é uma caricatura do adulto (Simone de Beauvoir fala mais ou menos isso). Nariz e orelhas agigantados, pele engruvinhada, os ossos aparecem ou a banha transborda. Tudo no corpo que é normal fica distorcido, deformado.
Na tradição das representações do corpo, a velhice é usada como uma das modalidades do bizarro. Uma vez, falando com um fotógrafo sobre um ensaio de corpos velhos que ele iria fazer, ele soltou o pensamento: “É que velho é feio, né?”. De certa forma ele tinha razão: não é sempre que a gente encontra velhos vistos de maneira bonita em quadros, filmes e fotos.
Delicadeza e brutalidade
Algumas das melhores performers da velhice jogaram peteca com essa tradição. O primeiro exemplo que vem na cabeça é sempre o de Dercy Gonçalves, que costumava usar o grotesco do corpo como punchline da piada. No teatro de revista, ela cuspia na plateia; no cinema, fazia caretas e danças desajeitadas; nos números solo (o que inclui as muitas entrevistas), soltava palavrões e fazia gestos obscenos, etc.
Na comédia física, tais recursos cênicos são típicos dos personagens que encarnam a feiura. Zezé Macedo, que ganhou o epíteto “a mulher mais feia do Brasil”, usou a velhice para compor a feia Dona Bela, uma pudica que “só pensa naquilo”, uma velha com roupas de menina.
As dualidades são necessárias para o trabalho da comédia, que depende de um jogo delicado entre tensão e alívio do público – delicadeza, aliás, que é ela própria um contrapeso da brutalidade do riso, com seu potencial violento e, no limite, assassino. A pessoa que voluntariamente se coloca como objeto da gargalhada precisa de elementos que a façam ser querida ou corre o risco de ser estraçalhada pelas bocas abertas do público.
(Taí uma diferença fundamental entre o bufão e o bully: enquanto o primeiro chama a atenção pra si, o segundo aponta o dedo para o outro.)
A doçura dos ovos
John Waters, mestre no culto ao bizarro, define a beleza como “uma aparência que você não consegue esquecer”, um visual que é “instantaneamente reconhecível”, referindo-se especificamente a uma de suas principais atrizes, Edith Massey.
Não dá para imaginar a filmografia de Waters sem ela, que, apesar do protagonismo de Divine, teve sua imagem transformada em sinônimo dos filmes em que participou – o que vale em especial para a Mulher dos Ovos, de Pink Flamingos (1972). Enquanto Divine percorre a cidade para garantir o título de “pessoa mais suja do mundo”, a Sra. Edie fica sentada de camisola no berço esperando ansiosamente o entregador de ovos.
Assim como em outros papéis (inclusive o da vida real), Edith Massey interpreta a louca mansa, a personagem da vovó senil, ao mesmo tempo envelhecida e infantilizada. John Waters diz que, quando lançou Polyester (1981), uma resenha da revista Newsweek afirmava que Massey merecia um Oscar ou uma enfermeira 24 horas. Ao que a atriz respondeu: “Eu gostaria de ter os dois”.