Aos 85, quase 86 anos, Luiza Erundina é a parlamentar mais velha eleita em 2018. Só isso, no entanto, não seria tão digno de nota – 20,26% da Câmara Federal e 37,03% do Senado eleitos naquele ano eram compostos por pessoas idosas, o que poderia constituir a maior bancada do Congresso Nacional, segundo levantamento da Deutsche Welle. Tal prevalência, porém, não indica que os velhos estejam bem representados na política, apenas que os políticos são representativos de uma elite branca, patrimonialista e liderada por homens heterossexuais.
Aí sim é que Erundina se destaca, inevitavelmente: embora também seja branca, é mulher, algo incomum na política institucionalmente machista do Brasil. Além disso, na sua longa carreira, nunca performou a heterossexualidade que se espera de mulheres de sua geração. “Eu me casei com a política”, ela diz, professando uma missão que transcende as expectativas burguesas de uma vida privada (impeditivas, para as mulheres, de ter vida pública). E, mais impressionante ainda, Erundina é velha – e longeva.
A questão etária ganhou destaque na sua trajetória política em 2016, quando concorreu à prefeitura de São Paulo com o slogan “Sonhos não envelhecem”. O verso da canção “Clube da esquina nº 2” virou uma espécie de mantra da candidata também em 2018 e agora, em 2020.
Transformando em potência o que se percebe socialmente como desvantagem, ela tem buscado articular em seu discurso os signos da juventude e da velhice, tanto como estágios da vida humana, complementares e igualmente dignos, quanto como metáforas contraditórias da renovação e da obsolescência na política.
Marie Claire. Sobre as críticas à sua idade: dizem por exemplo que passou da hora da senhora se aposentar da política, que deveria ceder lugar para gente mais nova. Qual é sua resposta para esse tipo de comentário? Luiza Erundina. Que se danem! Estou vivendo meu tempo, minha saúde e inteligência, minha experiência. Estou fazendo mal para alguém? Não estou. E quero que mulheres com a minha idade também se sintam assim, que sejam contagiadas pela minha vivência e vontade de seguir trabalhando. E, para aqueles aqueles que se sentem incomodados, desejo que tenham a sorte de chegar onde cheguei com a energia e convicção que tenho. Sabe, se você perde seu projeto de vida, tudo perde o sentido. E meu projeto de vida não termina no meu tempo. Meu projeto é sonhar com outro futuro. Não quero só mudar São Paulo e Brasil, quero mudar o mundo. O meu sonho, de uma sociedade socialista, fraterna e igualitária, infelizmente não vai acontecer no meu tempo, tenho consciência disso. Mas se eu não fizer minha parte agora, esse modelo de sociedade não vai acontecer nunca. A velhice não é doença, não é defeito, a velhice não impede o sonho. Portanto o sonho que me move, em relação às transformações que a sociedade precisa, não envelheceu.
Contraditória também tem sido, talvez de um jeito bem mais problemático, a campanha de 2020. Se em 2016 o partido enfatizou a face combativa da vida pública de Erundina, esta ano os memes tendem a se apropriar de sua imagem de mulher velha para enquadrá-la justamente na matriz heterossexual em que antes ela não parecia se encaixar. Em outras palavras, o marketing digital transformou Erundina, de uma rebelde boss bitch sapatão, em uma doce vovó caseira.
O quanto a candidata aprova essa estratégia não sabemos. Na contramão desse tom, Erundina disse, em vídeo veiculado às vésperas do primeiro turno: “Eu faço um apelo aos companheiros e às companheiras da minha geração: não se deixem ser tratados com infantilidade, isso não é uma forma respeitosa de se tratar um idoso! Meu apelo é pros 1.800.000 idosos que essa cidade tem, e que são uma força viva, humana, enorme!”.
As imagens da Erundina vovó aparecem nas redes sociais de Guilherme Boulos, mas não nas de sua vice. Sendo uma política bastante profissional, é de se imaginar que ela não seja totalmente avessa a concessões que favoreçam o momento (nunca será demais lembrar, para não idealizarmos a política institucional, que Michel Temer concorreu à mesma prefeitura de São Paulo como vice de Erundina em 2004). Convicções e concessões à parte, porém, o malabarismo que se precisa fazer com a idade da candidata é sinal da velhofobia e da misoginia presentes no imaginário e nas disputas políticas, mas também da sagacidade e da resiliência de uma mulher experiente e combativa, que espero que seja eleita no próximo domingo. E que, vice-prefeita, ela seja a rebelde radical, velha e jovem, de que esta cidade precisa desesperadamente.